Algum tempo atrás, escrevi um artigo aqui no blog intitulado "Mundo Chato". Nele eu falava da dificuldade que, como homem de bom senso, enfrento para viver num mundo contaminado por neuroses coletivas tarjadas de politicamente corretas. Falava das tribos que habitam o mundo chato como a dos tabacoides, dos ecoloides, dos sexoides, dos alcaloides e dos moraloides, mas me esqueci de uma: a dos saudaloides.
Infelizmente, semana passada, estava eu a conduzir meu carro com o rádio ligado, quando fui brindado com mais uma pérola de chatice explícita, dessa vez produzida por um membro da tribo dos saudaloides. A apresentadora do programa da CBN, cujo nome realmente não me lembro agora, começava uma entrevista com um médico e disparou a seguinte pergunta: "O senhor não acha que a figura de Papai Noel é um mau exemplo para as crianças, com aquela barriga exagerada e aquela forma física que deixa muito a desejar no critério saúde?"
A pergunta, pelo que tem de brilhantismo, demonstra claramente o que eu quero dizer com neurose coletiva, termo que, aliás, foi utilizado pelo próprio entrevistado para designar o comportamento dos chatos de plantão a que eu venho me referindo nesses artigos sobre chatice.
Ora, Papai Noel é um símbolo que, para as crianças, está associado à alegria de ganhar brinquedos novos. Representa além disso a bondade e a generosidade e sua figura pode ser associada à de muitos avôs, inspirando afeto, segurança e confiança.
Infelizmente tenho visto algumas mães que impõem suas neuroses a seus filhos de tenra idade e proibem as crianças de viverem como crianças.
Criança tem que comer balinha, doces, sorvetes, tomar refrigerantes e curtir tantas outras guloseimas destinadas a elas. Privá-las desse prazer é roubar-lhes parte da infância.
Obviamente tudo tem que ter limites bem definidos e não se pode deixar que as crianças exagerem em nada desses itens, mas privá-las totalmente é uma insanidade talvez maior do que não impor qualquer tipo de limite.
Lamentavelmente as neuroses não tem limites e o final do século XX foi incomparavelmente rico em todo tipo de neuroses. Foi em meados da década de noventa que surgiu a famosa "geração saúde", marcada pelo afã de preservar somente hábitos saudáveis que incluiam uma alimentação espartanamente frugal, aliada a exercícios físicos regulares que deveriam se refletir na imagem esteriotipada de um rapaz impecavelmente musculoso, atlético, com um sorriso irrepreensivelmente branco e os olhos embaçados de um imbecil, no melhor estilo "muito músculo e pouco cérebro"; ou na de uma moça exageradamente esbelta, com uma cintura quebradiça e uma barriga de cama elástica, cabelos extremamente brilhantes, sorriso deliciosamente branco e os olhos embaçados de uma imbecil, no melhor estilo "cabelos longos e ideias curtas".
Qualquer um que fugisse a esse perfil era estigmatizado como um marginal da saúde, aquele tipo de indivíduo cuja convivência as pessoas de bem deveriam evitar, porque, com certeza, possuia hábitos muito pouco saudáveis, ainda que tais hábitos envolvessem o culto à inteligência e a fuga aos modismos idiotas e à coletivização das neuroses.
Para meu delírio o médico entrevistado demonstrou enorme bom senso em suas respostas e lembrou que todos tem o direito de escolher seu estilo de vida, da mesma forma que os saudaloides. Que não se pode estigmatizar pessoas por suas escolhas, desde que tais escolhas permaneçam no limite da legalidade.
A entrevistadora, como não poderia deixar de ser, lembrou que a figura de Papai Noel já foi usada, em outros tempos, para fazer propagandas de cigarro, isso porque os saudaloides não podem deixar de atacar seu inimigo público número um: o tabaco.
Nesse ponto, foi instada a considerar que, em contextos culturais, deve-se sempre relativizar os conceitos, pois, já houve momentos em que o cigarro era ícone de um estilo de vida e estava associado, inclusive, à prática de esportes.
Falando em relativização, o entrevistado citou a dificuldade que houve, em dado momento, em se gravar uma entrevista com Oscar Niemeyer para um programa destinado a crianças, isso porque ele não parava de fumar. Lembrou-se, então que Niemeyer está com cento e três anos.
A propósito, alguns dos representantes da geração saude já morreram. O rapaz musculoso morreu vítima de anabolizantes e a garota com barriga de cama elástica morreu de anorexia.
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