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Frases Célebres

domingo, 9 de janeiro de 2011

Verdade e Perplexidade


Perplexidade é o sentimento que experimentamos diante de fatos ou atos que, por sua natureza, pelo que tem de insólito, provocam uma reação que nos conduz por uma trajetória que vai do espanto inicial, à completa incompreensão.
É de se imaginar, por exemplo, a reação que tiveram nossos antepassados quando presenciaram, pela primeira vez, um eclipse solar, uma erupção vulcânica, ou um terremoto.
Para aquelas mentes simples, desprovidas de conhecimento científico e acostumadas à normalidade dos fatos naturais, tais fenômenos devem ter representado motivo de forte perplexidade, desencadeando reações de medo, terror, desespero, angústia e tantos outros sentimentos comuns a tais situações.
Nos dias de hoje, os fatos naturais já se encontram suficientemente explicados pela ciência, sendo muitas vezes previsíveis e passíveis de serem "administrados" com um custo menor em sofrimento. Mesmo assim, o tsunami de 2004 ainda causou grande abalo por seu poder destrutivo e pela imprevisão que acabou por vitimar tantos, em tantos lugares ao mesmo tempo.
Se quanto aos fatos da natureza já existem explicações científicas e previsibilidade, não se pode dizer o mesmo dos atos humanos que, vez por outra, explodem como bombas sobre nossas cabeças, muitas vezes desestabilizando nosso comportamento e produzindo reações de inconformismo, dor, revolta, infelicidade, além, é claro, da inevitável perplexidade.
Essas reações assolam principalmente as mentes mais estáveis, as pessoas que procuram manter um comportamento racional e lógico diante da vida, norteando suas atitudes pelos padrões éticos e estéticos da sociedade, buscando viver em harmonia, sem causar qualquer transtorno ou prejuízo a quem que que seja.
Imagine, por exemplo, que você, depois de uma longa hora de espera, estacionou seu carro na única vaga existente num dos estacionamentos mais concorridos da cidade e foi fazer o que havia para ser feito. Ao retornar cansado, descobre que um indivíduo, sem qualquer cerimônia e sem nenhum senso de respeito, parou o carro exatamente atrás do seu, fechou todos os vidros, puxou o freio de mão e foi tranquilamente resolver seus problemas.
Esse mesmo indivíduo retorna depois de duas horas, entra no veículo, dá partida e sai naturalmente, como se nada de anormal tivesse acontecido, enquanto você, contendo sua fúria e tentando preservar sua conduta de civilidade, fica procurando alguma justificativa minimamente plausível para o comportamento egoísta e desrespeitoso daquele cidadão ou cidadã.
Pois é. Eu também, ao longo da vida, já me deparei com grande número de situações semelhantes. O que há de diferente em mim é que, aos poucos, me tornei num estudioso do comportamento humano. Não, não sou psicólogo, nem sociólogo, nem qualquer outro "ólogo" que o valha. Sou apenas uma pessoa conectada com o mundo. Possuo uma mente analítica e costumo buscar explicações racionais para toda e qualquer atitude, a fim de mitigar o choque causado pelos comportamentos imponderáveis.
Uma das primeiras lições que aprendi nesse assunto é que comportamentos devem ser analisados em consonância com aqueles que os exteriorizam. Sim, porque pessoas podem ser divididas em grupos bem distintos, conforme seu grau de adaptação ao reino hominal.
Existe um grupo que eu classifico como o dos pseudo-racionais, ou subumanos. Esse grupo tem como arquétipo o traficante do morro e o bandido de um modo geral. Vivem dos instintos e desconsideram qualquer perspectiva de existência histórica. Para eles o amanhã é apenas uma remota possibilidade. Importa o hoje, o agora, o momento e, se a necessidade é premente, deve-se satisfazê-la, por imperativo de sobrevivência. Se são desumanos em muitos de seus atos, é que ainda não estão devidamente enquadrados dentro das características da espécie. Tive um emérito professor que costumava qualificá-los como bípedes ocasionais.
Mas há um grupo ainda mais perigoso que esse: o das pessoas primitivas. Nesse grupo encontram-se aqueles indivíduos que não possuem qualquer compromisso na vida, exceto a satisfação de seus próprios interesses e vontades. Ao contrário do que se possa pensar, contudo, não apresentam uma imagem hedionda (essa é uma característica dos do primeiro grupo), ao contrário, são sempre muito vaidosos e preocupados com a própria aparência. Gostam de chamar a atenção e de estar no centro dos acontecimentos. Tem por hábito usar as pessoas e, por isso mesmo, são sempre muito solitários, mesmo quando cercados por uma multidão. Seus sentimentos mais aparentes são a inveja e o ciúme, principalmente quando se sentem inferiores em algo, o que não é raro acontecer. Melindram-se muito facilmente, pois, ao lado de um intelecto pouco desenvolvido, possuem um orgulho e uma vaidade hipertrofiados. São os que costumam dizer: "eu posso morrer, mas não dou o braço a torcer." Em algumas situações acabam morrendo mesmo e, quando isso ocorre, ninguém sente muita falta.
Por ostentarem uma aparência mais trabalhada, costumam ser confundidos com gente civilizada e, por isso, seus comportamentos costumam causar alguma perplexidade, até que se os conheça mais profundamente e se tenha um quadro mais completo de sua debilidade e estreiteza.
Seu arquétipo é o do motorista que para atrás do carro estacionado. Em comparação com os do primeiro grupo oferecem mais perigo, pois os subumanos em algumas ocasiões, ainda que por instinto costumam apresentar reações de misericórdia e, em alguns casos, até de bondade, enquanto os primitivos são implacáveis em suas ações. Contrariá-los é assinar uma sentença.
O terceiro grupo - o dos medíocres - é, sem sombra de dúvida, o mais numeroso. Nele estão situados os indivíduos que se encontram dentro da "média", isto é, sem serem brilhantes ou especiais, encontram-se perfeitamente enquadrados nas características da espécie: sabem respeitar pessoas e convenções, respeitam as normas, buscam a harmonia e tentam viver em paz.
Seu arquétipo é o das pessoas comuns que cumprimentamos todos os dias, enquanto esperamos na fila do banco, na padaria, ou no supermercado.
O quarto grupo, ou grupo VIP (very involving people) é composto por aqueles indivíduos que apresentam inteligência acima da média e, por isso mesmo, demonstram enorme coerência entre suas palavras e seus atos. Respeitam pessoas e, quanto às convenções, adotam as que julgam razoáveis, combatendo as demais, mas sempre argumentando de forma segura e persuasiva. Sua personalidade os torna envolventes e costumam ser dotados de capacidade de liderança, uma vez que os do terceiro grupo os admiram e respeitam.
O arquétipo encontra-se difundido nas mais diversas áreas da sociedade e abrange desde o político honesto, até o pai companheiro, lembrando que as condições podem (e costumam) se fundir num mesmo indivíduo; assim, o político honesto geralmente é também um pai companheiro.
Diante disso, retornando à questão da perplexidade, deve-se dizer que a provocada pelos atos oriundos do primeiro grupo, manifesta-se, no mais das vezes sob a forma de revolta ante a crueldade e as atrocidades.
A provocada pelos elementos do segundo grupo se manifesta sob a forma de repulsa pelos atos de egoísmo e de orgulho explícito, pelas atitudes perniciosas e asquerosas praticadas por eles.
Mas é quando uma atitude de vilania parte de um elemento do terceiro e, principalmente, de um do quarto grupo que a reação de perplexidade se manifesta com maior intensidade. Vem sob a forma de surpresa, de decepção, de inconformismo e principalmente de descrença em relação ao ser humano.
É que ninguém está isento das falhas de caráter, mas nós temos o hábito de criar espectativas em relação às pessoas que julgamos VIP de alguma maneira; aí, quando a imperfeição se manifesta, haja perplexidade!

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