A novíssima pérola de que passo a falar nos vem de um longínquo e desconhecido município de Mato Grosso do Sul, chamado Sidrolandia. O referido município, cujo honroso pavilhão ilustra esta postagem, tem uma população de aproximadamente 39.000 habitantes (IBGE 2007) e situa-se nos Campos de Vacaria, no Planalto de Maracaju, região central do estado, próximo à capital Campo Grande.
Pois bem, essa simpática cidadezinha vem sendo cenário de uma intrigante e, até certo ponto cômica, polêmica de caráter religioso: é que a bandeira (essa acima) da cidade traz em seu centro a expressão "Ave Maria". Segundo consta, a frase está lá desde que a bandeira foi criada e isso nunca representou problema, até que o pastor da IES - Igreja Evangélica de Sidrolândia decidiu recorrer ao Judiciário contra esse "abuso".
Entre os argumentos que lastreiam a insólita iniciativa, estão o de que o Brasil é um Estado laico e o de que, nos eventos que são realizados na igreja, hastear a bandeira é sempre um constrangimento, pois ela faz apologia a um artigo de fé que não é compartilhado pelos fiéis.
Em resposta, o Conselho Pastoral da cidade assevera que "quem se irrita com o nome de Maria é o Diabo".
Não vou entrar no aspecto religioso da polêmica, até porque, como todos bem sabem, não sou católico, nem evangélico, mas não poderia me furtar a abordar os aspectos históricos, sociológicos e pitorescos que o episódio suscita.
Em primeiro lugar, devo dizer que sim, o Brasil é um Estado laico. O texto constitucional assim o consagra. Entretanto, se buscarmos a perspectiva histórica, veremos que tivemos uma colonização católica e que os traços dessa colonização encontram-se presentes nos mais diversos setores da vida nacional e fazem parte de nossa identidade como nação. Vale lembrar que a maior e mais rica cidade, o coração econômico do país, chama-se São Paulo. Fico imaginando se a moda pega e os evangélicos de lá resolvem mudar o nome da cidade. Imaginem agora uma reação em cadeia mudando o nome de cidades: São Luís, São Vicente, São Joaquim, Santa Bárbara, São Leopoldo, São Raimundo, Santa Juliana, Santo André, São bernardo, São Caetano, e, até mesmo de estados inteiros: Santa Catarina e o próprio estado de São Paulo.
Outra coisa que se deve ter em conta é que a liberdade religiosa existe para garantir o direito de crença e de culto, principalmente às minorias, mas definitivamente não autoriza quem quer que seja a tentar impor suas convicções àqueles que não pensam da mesma forma. Essa é a grande crítica que faço à maioria dos evangélicos: vivem tentando se servir das instâncias da democracia para praticarem atos de tirania.
Ora, uma bandeira é um símbolo e, como tal, deve representar o pensamento dominante em uma sociedade. Se ela já está lá há décadas, certamente é porque vem cumprindo essa função. Se o pastor sente que há um problema com esse símbolo, ao invés de apelar para o Judiciário, buscando uma solução cogente para o problema, deveria propor um plebiscito que seria uma solução democrática para o impasse.
Se ele não o faz é exatamente por saber que vive num país de maioria católica e que provavelmente seria democraticamente vencido. Entendo que essa visão estreita, oportunista e impositiva deve soar muito agressiva a Deus, mas creio que se o próprio Deus dissesse isso, também seria acionado na justiça, por contrariar os interesses pessoais do referido pastor.
Seria muito interessante que as pessoas despertassem para o fato de que o que se convencionou chamar nos meios religiosos de idolatria é bem menos nocivo do que a egolatria e a ideolatria. Ao invés de recorrer à Defensoria Pública - que existe para atender pessoas carentes - a fim de propor ações inúteis, ridículas e marcadas pela intolerância e pelo fanatismo, deveria o pastor dedicar seu tempo a semear fraternidade entre aqueles que necessitam de pão, de abrigo, de agasalho e a tantos outros que, no mais das vezes, necessitam apenas de uma palavra amiga e de uma mão estendida. Foi isso que Jesus, que o pastor deve ter como mestre, pregou e praticou como ninguém mais.
Caso o honrado pastor venha a ler essas linhas, fica um conselho: abandone essa mentalidade mesquinha, expurgue a intolerância, levante a bandeira da fraternidade irrestrita, ao invés de meter o bedelho, pratique evangelho.
Agora, se o senhor preferir insistir em seus métodos populistas, em sua cruzada contra a idolatria, ficam algumas sugestões bastante populares para futuras cruzadas com que ocupar seu tempo aparentemente abundante: além dos nomes de cidades e de estados já anteriormente sugeridos, o senhor pode também sugerir a retirada do Cristo Redentor do Morro do Corcovado, afinal aquela também é uma imagem e, como tal, objeto de idolatria.
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