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Frases Célebres

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Poesia - A Sistemática Destruição de um Conceito - Parte I


Há tempo venho refletindo sobre a questão da poesia e do processo de desconstrução, ou, até porque não dizer de destruição a que seu conceito vem sendo submetido.
Essa tendência que se anunciou no princípio do século XX, sob a influência dos movimentos filosófico-artísticos tão em voga naquele momento – muitos deles com bem pouco de filosóficos e menos ainda de artísticos –, foi gradativamente se sedimentando e, num período de cem anos acabou convergindo para o estágio de estrangulamento e de colapso em que nos encontramos hoje. Países como o Brasil, por exemplo, já há muito não produzem um poeta de qualidade. Aparentemente a poesia, entendida como tal, encontra-se em extinção.
Não quero me estender a uma análise global do problema, até porque não teria informação suficiente para tanto. Assim, falando apenas de Brasil, veremos que entre nós 1922 foi o ano que oficialmente introduziu o conceito de que “qualquer coisa pode ser poesia, desde que seja rotulada como tal”. A Semana de Arte Moderna – na época bastante combatida por alguns críticos sóbrios – não foi, pelo menos no que tange à poesia, um desperdício total, afinal contou com a colaboração de alguns autênticos poetas, como Menotti Del Picchia e Guilherme de Almeida, mas, em sua vertente revolucionária, pecou naquilo que todas as revoluções em geral acabam pecando: Em nome de um ideário “novo” sacrificou tudo o que era considerado “velho”, sem se aperceber que num mesmo pacote se estava sacrificando a “essência”.
E aí, alguns podem me perguntar: Existe a essência da poesia? E eu respondo: sim. Sem dúvida. Há determinados componentes sem os quais a poesia deixa de ser poesia, perde sua identidade e passa a existir apenas como um rótulo.
Para se falar dessa essência, é preciso partir de um pressuposto básico: a função da poesia é sempre a de comunicar, mas comunicar de forma diferenciada das demais formas de comunicação existentes. Quando Jakobson (1971) listou as seis funções da linguagem, associou à linguagem da poesia aquela que ele chamou de função poética. Essa classificação, embora pareça tautológica, nos diz muito a respeito da essência, na medida em que aponta para o fato de que existem na linguagem da poesia elementos que a distinguem de todas as outras modalidades de linguagem. À parte a complexidade que o problema guarda, vou procurar explicá-lo de forma didática:
Todo poema é uma mensagem, mas a recíproca jamais será verdadeira. Isso porque a mensagem contida no poema tem sua ênfase em si mesma, o que equivale a dizer que precisa possuir características específicas quanto à forma e quanto ao conteúdo, para que se reivindique a condição de mensagem poética. Além disso, mais que a especificidade dessas características é necessário que haja interação e equilíbrio entre elas.
No plano da forma, então, pode-se dizer da necessidade de seleção e de organização das palavras no corpo da mensagem. Quando falo em seleção, não estou, nem de longe, me referindo ao uso de um vocabulário erudito, mas ao de um vocabulário adequado ao contexto. Nesse particular, menciono Antônio Gonçalves da Silva, o “Patativa do Assaré” que é um verdadeiro exemplo de que se pode produzir poesia de qualidade com qualquer padrão vocabular (NOGUEIRA, 2014).
Por organização, quero dizer da necessidade de uma arquitetura específica da composição em verso. Rima é imprescindível? Eu diria que não necessariamente, embora não prejudique como tentam sugerir alguns que parecem ter dificuldade em produzir boas rimas. Além disso é bem mais complexo produzir um bom poema sem rimas.
Métrica é imprescindível? Igualmente não, mas o bom senso diz que a lógica do verso é ser estruturado em frases curtas e, tanto quanto possível, simétricas entre si. Fazer poesia sem métrica é perfeitamente possível e viável, mas é igualmente bem mais difícil produzir um poema de qualidade em versos livres.
E o ritmo, é imprescindível? Menos ainda. Contudo monotonia não coaduna com poesia, embora produzam uma rima (rima pobre, mas rima).
Deve-se concluir, então, que não existe forma sacramental, não existe ritualística no que concerne à forma do poema, mas existe uma enorme distância daí, para se escrever qualquer coisa em forma de versos e chamar aquilo de poesia.
Mas aparentemente o maior problema está no campo do conteúdo. Acontece que não existe poesia sem imagística e a construção de imagens relevantes demanda talento. Quando falo em relevantes, refiro-me a figuras de linguagem que fujam ao lugar comum, que consigam sintetizar e expressar com elegância todo um contexto.
Além disso, ao contrário do que vem se convencionando de algum tempo para cá, a mensagem da poesia é a mais fechada possível; não em suas interpretações, mas em sua coerência interna. Poemas verdadeiros possuem início, meio e fim, versam sobre um determinado assunto e apresentam uma conclusão. Tudo isso feito em poucas linhas.
Um tal modelo, para que seja bem sucedido, exige destreza tanto no trato com as palavras, quanto no trato com as ideias, porque a coesão não se dá somente ao nível vocabular. Dá-se também e principalmente no plano das ideias.
Tudo isso, obviamente, é difícil de ser conseguido. Demanda uma aptidão especial, tanto quanto qualquer outra forma de arte. Lamentavelmente após a intentona modernista cresceu o assalto desferido sobre a poesia e passou a bastar que se amontoassem meia dúzia de palavras sem sentido e se batizasse aquilo de poesia, para que fosse considerado como tal.
Isso contribuiu e ainda (talvez mais do que nunca) contribui para uma desconstrução do conceito de poesia. Definitivamente, ser poeta não depende de querer, nem muito menos se aprende em academias. Nasce-se com o dom, da mesma forma que acontece com a pintura, com a escultura, com a música (outra que vem sendo desconstruída), com a arte enfim.

JAKOBSON, Roman. Linguística e Poética in: Linguística e comunicação. 1ª ed. São Paulo. Cultrix, 1971.

MOISÉS, Massaud. A análise literária. 7ª ed. São Paulo. Cultrix. 1984.
 
NOGUEIRA, Antônio Júnior. Patativa do Assaré in: Projeto Releituras. Disponível em:  http://www.releituras.com/patativa_menu.asp . Acessado em 28/12/2014, às 00:13.

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