Maupassant: Quadros da Vida

Nessa nossa época pobre de literatura e pobre de leitura e, principalmente em nosso Brasil, onde ler não está entre as atividades mais apreciadas, pode parecer inútil um artigo como este, mas insisto em fazê-lo, até mesmo como tributo àquele que considero um dos grandes ícones da Literatura mundial.
Refiro-me a Guy de Maupassant.
Quero começar narrando um fato que soa no mínimo curioso: passei pela faculdade, por um curso de Letras, onde as matérias de Literatura dominavam o currículo e consegui colar grau sem ouvir, em nenhum momento falar de Maupassant. Esse dado talvez ilustre o quanto o autor é desconhecido dos brasileiros, embora tenha sido um dos maiores contistas do Século XIX e, notoriamente, tenha exercido grande influência sobre Machado de Assis (o problema talvez se situe no fato de que a maior parte dos brasileiros também desconhece completamente Machado).
Ao longo de sua curta carreira (deixou a vida aos 46 anos), Guy deixou romances, peças de teatro e uma grande quantidade de contos. Não aqueles contos episódicos de algumas poucas linhas, como virou moda de algumas décadas para cá, mas contos incorpados, daqueles que a classificação brasileira prefere chamar de novela, pelo fato de possuírem unidade dramática.

Situado estilisticamente no Realismo Francês, contemporâneo de Flaubert e de Zola, foi um homem de muitos amores mas que conviveu com a tristeza da sífilis que acabou conduzindo-o à demência nos últimos anos de vida. Talvez por isso, tenha enveredado, em dado momento, pela ficção de horror (THE LITERATURE NETWORKS, ) que acabou se tornando a parcela mais conhecida de sua obra, pelo menos entre nós.

Esse, contudo, ao menos a meu ver, não é o filão mais significativo de sua literatura. Como representante do Realismo, é sua crítica social que sobressai com maior intensidade, principalmente pelo fato de que consegue fazê-la com uma dose bastante acentuada de um humor agradável, não apelativo, centrado em personagens tipo que traçam um quadro bastante elucidativo da sociedade francesa do Século XIX, retratando os hábitos da burguesia, do funcionalismo, a vida das classes baixas e mesmo das prostitutas. A leitura agradável, fácil mesmo, a descrição minuciosa sem ser monótona conduz o leitor para dentro da cena, levando-o a vivenciar o drama, colocar-se no lugar da personagem , sentindo a história e desfrutando enorme prazer.

Maupassant pintou em palavras sua época e sua Paris que o leitor atento visita e se deslumbra, diante de uma outra realidade, de um outro mundo povoado por personagens que, embora distantes de nós no tempo e no espaço, carregam a mesma carga de humanidade que nos iguala a todos em todas as épocas e em todos os lugares.
Apesar disso, parte da crítica o condena por não enveredar por uma análise psicológica mais profunda, ficando apenas na superficialidade dos quadros cotidianos. Na verdade, é a clareza objetiva dos quadros por ele retratados que nos remete ao contexto psicológico das personagens, sem a necessidade de se produzir uma narrativa chata, marcada por longas divagações de ordem psicanalítica, tão ao gosto daqueles que entendem que a obra literária deve se confundir com tratados sobre transtornos psiquiátricos.


MAUPASSANT, Guy MILLIET Sérgio (org). de. Obras de Guy de Maupassant. 1ª ed. Belo Horizonte. Editora Itatiaia, 1983.

PENSADOR. Biografia de Guy de Maupassant. Disponível em: http://pensador.uol.com.br/autor/guy_maupassant/biografia/ Acessado em 28/12/2014 às 00:57

THE LITERATURE NETWORKS. Biography de Guy de Maupassant. Disponível em http://www.online-literature.com/maupassant/ Acessado em 28/12/2014 às 00:55.