Estava previsto para acontecer sábado, 12/11/2011, em Salvador BA a marcha dos adeptos de cultos afro-brasileiros, contra a intolerância religiosa e a perseguição que vem sendo empreendida principalmente pelas seitas neopentecostais. Não sei se chegou a acontecer, visto que as chuvas açoitaram impiedosamente a cidade, mas, independente do desfecho, manifesto meu total apoio ao movimento que, aliás, é mais uma etapa de um grande movimento que já vem acontecendo em outras cidades do país, praticamente sem qualquer cobertura ou divulgação da mídia.
Como todos sabem, sou umbandista. É a religião que abracei e na qual me sinto em maior harmonia e comunhão com Deus e com as potências do universo. Como cidadão e como umbandista quero expressar minha opinião sobre essa intolerância contra os chamados cultos afro-brasileiros. Pretendo abordar aqui a questão sob dois prismas distintos.
Em primeiro lugar, em sendo advogado, não poderia deixar de olhar a perspectiva da Lei, até em função de ser essa a perspectiva mais abrangente e que se projeta sobre todos indistintamente, de forma cogente e inexorável. Falando, então, em termos legais, eu diria que os ataques públicos desferidos contra qualquer religião são inconstitucionais e criminosos.
Inconstitucionais, porque a Constituição da República, em seu artigo 5º, incisos VI a VIII consagra:
“ Art. 5º...
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
(...)”
Na mesma linha, afirmo e sustento que são criminosos, porque o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 208 também consagra:
“Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência.”
Pergunto-me, então, por que temos nós de permanecer calados, enquanto fanáticos inescrupulosos praticam publicamente crimes, desrespeitando a Lei Maior e o Código Penal do país?
Até quando assistiremos passivamente nossas convicções serem ultrajadas por estelionatários da fé que denigrem nossas práticas religiosas e estimulam a intolerância e a discriminação (inclusive racial), em nome de uma insensata e extemporânea cruzada supostamente cristã?
A insistência desses criminosos já há muito não é apenas uma questão de chatice inoportuna. É agressão, desrespeito, discriminação, incivilidade e notadamente CRIME.
Em segundo lugar, devo abordar a questão de uma perspectiva histórica e sociológica. Sob esse prisma, temos que admitir que a Umbanda (e também o Candomblé) muito mais que religiões legítimas e respeitáveis, são componentes culturais de nossa nacionalidade e de nossa identidade como povo. As práticas da Umbanda, por exemplo, acolhem tradições indígenas que são milenares, além de incontestavelmente autóctones. De par com tais tradições, ainda abraçam crenças trazidas pelo negro e pelo branco, cultivadas ao longo de séculos. A Umbanda, como praticada hoje, é filha do Brasil, tem a cara do Brasil e, como tal, é patrimônio cultural do Brasil. O Candomblé, por sua vez é substrato cultural de um povo que construiu com dor e sofrimento os alicerces da nação. Ambas são legitimamente brasileiras, uma por nascimento e outra por adoção.
Se isso não tem o condão de tornar sua prática obrigatória (nem nós queríamos que assim fosse), dá-lhes, contudo, a prerrogativa de serem respeitadas e protegidas pelas instituições, não por concessão, mas por direito.
Por tudo isso, é urgente que os irmãos umbandistas e candomblecistas comecem a legitimamente repelir as agressões e as ofensas que vimos sofrendo de parte de alguns ratos de igreja que vivem parasitariamente, arrecadando rios de dinheiro dos incautos que tem a infelicidade de acreditar em seus discursos supostamente cristãos.
Basta de ouvir iniquidades da boca daqueles que constroem palácios e compram emissoras de televisão com o dízimo da mentira, com o óbolo da prepotência. É necessário que não nos calemos mais. Precisamos assumir uma posição de resistência – dentro da lei, é claro – respondendo às agressões com representações criminais, com processos bem fundamentados, tendo a certeza de que estamos amparados pela legislação do país.
Irmãos umbandistas e candomblecistas, não escutem mais passivamente que suas religiões são coisa do demônio. Não aceitem mais passivamente a profanação de seus templos, nem as atitudes de desrespeito de qualquer espécie contra suas crenças. Denunciem.
Saibam que ante uma representação criminal devidamente fundamentada as autoridades policiais e judiciárias são obrigadas a tomar providências. Vamos começar a levar os agressores aos tribunais, a exigir direito de resposta e a ganhar indenizações, pois, dessa forma, vamos atingi-los naquilo que para eles é mais sagrado que qualquer divindade: o dinheiro.
Faço, finalmente uma ressalva, asseverando que nada tenho contra os evangélicos autênticos. Conheço muitos e inclusive conto alguns entre os meus amigos. Os verdadeiros até questionam minha posição religiosa, mas o fazem de forma respeitosa e até mesmo fraterna, pois entendem que somos filhos do mesmo Deus. A esses meu preito de respeito a suas pessoas e a suas convicções religiosas.
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