Quero começar esclarecendo que a vaidade não faz parte das minhas características pessoais; pelo menos no que tange á aparência física. Aliás, sorte minha por isso, pois admito que a natureza não foi muito generosa comigo nesse particular. Apesar disso, não condeno aqueles que guardam um pouco de vaidade. Quando digo “um pouco”, falo de um equilibrado desejo de apresentar sempre uma imagem aprazível, sem, contudo, fazer disso uma neurose. Lamento, apenas, que poucos sejam assim.
O excesso de vaidade e a preocupação com a aparência física tem produzido ao longo dos tempos uma série de distorções no comportamento das pessoas. O que soa muito estranho para mim é que quase ninguém perceba tais distorções. Vou falar de algumas, assinalando, contudo, que o assunto é muito complexo no que diz respeito a suas causas e suas conseqüência, razão pela qual não pretendo fazer notações científicas, mas tão somente relatar algumas observações despretensiosas, mas interessantes e até mesmo jocosas sobre o tema.
A multibilionária indústria da moda é provavelmente a mais inexplicavelmente irracional das criações humanas, senão, vejamos: que é moda? É uma norma que dispõe sobre o que é correto as pessoas usarem (roupas, calçados, acessórios) em um determinado momento. Mas quem produz essa norma? Com que legitimidade?
Esses legisladores da aparência se autoproclamam estilistas, isto é , aqueles que ditam o estilo que as pessoas devem adotar. Sucede que o conceito de estilo remete para algo de caráter estritamente pessoal, uma característica que o indivíduo possui e que é exclusiva, só dele. Sob essa ótica, o conceito de estilista soa para mim como uma excrescência com dois polos inversamente proporcionais: o sujeito que se acha capaz de ditar o estilo das pessoas é um idiota arrogante, e aquele que sente prazer em adotar o estilo ditado pelos outros é um idiota vazio.
Dessa relação simbiótica intersubjetiva idiotizante surge um equilíbrio representado pela sensação de satisfação desfrutada por ambas as partes por poderem em dado momento afirmar: “Eu tenho estilo”, afirmação essa que pode ser traduzida, de um lado por “Eu dito moda” e de outro por “Eu estou de acordo com a moda”.
Provavelmente, uma das maiores aberrações que a patologia da moda já conseguiu produzir foi o surgimento, a partir do final dos anos setenta, das chamadas grifes.
Surgidas inicialmente com a intenção de conquistar o mercado jovem, acabaram gradativamente caindo também no gosto de milhões de adultos supostamente pensantes.
A idéia por trás da grife é criar uma marca associada às diversas preferências do público jovem, como esportes radicais, onde o surf ocupa um lugar de destaque, mas que também envolve montanhismo, motociclismo, automobilismo e alguns outros “ismos” radicaloides. Além dos esportes, também a música oferece opções temáticas, principalmente o rock.
O padrão das roupas e dos acessórios aposta em estampas multicoloridas, acompanhadas por legendas necessariamente em inglês. A malha e o jeans são as matérias primas básicas, com as quais se produzem camisetas, calças, saias, vestidos, jaquetas e qualquer outra coisa que, em dado momento possa ser entendida como peça de vestuário. Mais recentemente, os sintéticos entraram no circuito e depois que a Dupont criou o tactel incorporou-se a esse universo sua mais nova estrela: as bermudas.
Os anos oitenta trouxeram como novidade a cultura dos shopping centers, e o casamento entre esses últimos e as grifes não poderia ter sido mais bem sucedido: rapidamente lojas de aparência presunçosa, com nomes em inglês, vitrines apelativas e prateleiras extremamente bem organizadas se espalharam como sarampo, e tornou-se comum – principalmente em vésperas de datas comemorativas – formarem-se longas filas de consumidores em suas portas, em busca das tão sonhadas confecções que tinham como maior e mais poderoso atrativo uma etiqueta costurada na parte externa e preferencialmente no traseiro, principalmente nas calças e saias femininas. É que, como é notório que o olhar dos homens se dirige instintivamente para essa região, a presença da dita etiqueta deveria produzir no observador masculino uma impressão do tipo “ali vai uma bunda conectada com a moda.”
Aos poucos, a cultura dos shoppings aliada à das grifes produziu – notoriamente entre os mais jovens – um estereótipo de identidade, segundo o qual, para se ser alguém, para se ser reconhecido e valorizado no grupo, era necessário consumir essas marcas. Rapazes e moças se transformaram em “outdoors” ambulantes, estampando marcas em seu corpo para se entenderem como pessoas de seu mundo.
Mas havia o lado mais perverso de todos: desfilar uma marca como essas custava verdadeiros absurdos, e nas periferias, onde o poder aquisitivo não permitia tais desfrutes, muitos jovens se lançavam à criminalidade, praticando pequenos furtos e, muitas vezes até assaltos, a fim de sustentar esse suposto “estilo”.
Em alguns casos, em grandes cidades, adolescentes chegaram a ser assassinados por causa de um par de tênis, ou de um boné. Enquanto isso, as indústrias que produziam tais marcas, alheias a tudo, continuavam a contar os milhões que chegavam todos os meses.
Recentemente, algumas pessoas amigas falando a respeito de meu modo de vestir tacharam o meu “estilo” de “despojado”. Ainda agora estou desfrutando do prazer que essa adjetivação me trouxe. Por mais que a palavra mascare, nesse caso, uma profunda inversão de valores, eu me orgulho muito de ser despojado de uma vaidade fútil, estéril e idiotizante. Nunca estive na moda, mas estilo eu tenho; um estilo meu, único, inconfundível e que faz de mim uma pessoa completa sem precisar de uma etiqueta no traseiro. Esse é o mais caro de todos os estilos, porque não está à venda, porque não tem preço.
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