O Espiritismo nasceu sob a égide de uma “Fé Raciocinada”. O Evangelho Segundo o Espiritismo, em todas as suas edições traz em sua folha de rosto a máxima de Kardec: “Fé inabalável é aquela que pode encarar face a face a razão em todas as épocas da humanidade”. É que Kardec era um homem de ciência e viveu um momento de profunda efervescência intelectual. O Positivismo, recém inaugurado por Comte, ditava moda e a atmosfera de cientificismo permeava todos os meios intelectuais da velha Europa.
Foi sob essa orientação que Kardec desenvolveu o método que conduziu à codificação da Doutrina Espírita, analisando, ponderando, comparando, selecionando as respostas que julgava coerentes para produzir, primeiramente, O Livro dos Espíritos e, posteriormente, as demais obras que viriam a compor o Pentateuco da Codificação.
Por força desse nascimento revolucionário, convencionou-se falar do tríplice aspecto da Doutrina: religião, filosofia e ciência.
A meu ver, o caráter religioso é incontestável, é o mais evidente e é, inclusive, o mais amplamente aceito e reconhecido pela sociedade como um todo. Impossível negar que por trás das idéias difundidas pelo Espiritismo existe toda uma teologia, toda uma ontologia e que da interação entre ambas surge todo um complexo de normas de conduta a reger o comportamento dos fiéis. Isso é um sistema religioso, não há como refutar.
Quanto ao aspecto filosófico, não se pode ignorar que a Doutrina se constitui em um sistema bem elaborado de explicações para os fatos naturais e sociais; sistema esse que tem sua sustentação lógica assentada sobre a Lei de Causa e Efeito e sobre a Lei de Reencarnação.
Tem origem, então, uma ética cujos fundamentos remetem claramente para esse aporte lógico, o que faz com que tudo tenha uma explicação racional. É possível, portanto, entender que o Espiritismo é uma doutrina eminentemente filosófica, em que pesem algumas posturas nitidamente dogmáticas, dentre as quais se pode destacar o já tradicional chavão: “fora da caridade não há salvação”, por si só profundamente contrastante com os princípios de uma filosofia religiosa que nega veementemente o salvacionismo e investe todas as suas fichas no evolucionismo espiritual. Isso, contudo é assunto para um artigo autônomo, que virá, sem dúvida a seu tempo.
Se até aqui manifestei minha concordância com o caráter religioso e filosófico da Doutrina Espírita, o mesmo não acontecerá em relação ao caráter científico que se lhe pretende atribuir. Vou mais longe: afirmo enfaticamente que o Espiritismo não é ciência, não é científico e a repetição mecânica dessa afirmação se constitui em um dos lamentáveis equívocos que vem sendo cometidos pelos espíritas há anos.
Logicamente que, ao negar a assertiva, não o faço com vistas a contestar ou diminuir o Espiritismo, mesmo porque, conquanto seja umbandista, afirmo-me espírita convicto, a despeito de uma vertente ortodoxa que insiste em rejeitar a natureza eminentemente espírita da Umbanda.
Nego, porém explico-me: o Positivismo de Comte pregava a idéia de que somente a observação poderia conduzir ao conhecimento verdadeiramente científico, mas, ao mesmo tempo, negava que fosse possível se chegar ao conhecimento das causas dos fenômenos. Dessa forma, a observação deveria servir para conduzir a um conhecimento que fosse capaz de explicar as relações entre os fenômenos observáveis.
O método aplicado por Kardec baseou-se na observação do fenômeno mediúnico e, a partir dessa observação, na produção de Leis e Relações que regessem o mundo natural, do qual os próprios espíritos fariam parte, o que lhes negava a condição de seres metafísicos, incompatíveis com a ideologia de ciência defendida pelo Positivismo.
Nesse sentido, a doutrina de Kardec (ou dos espíritos) era, para os padrões da época, tecnicamente científica, uma vez que tinha por trás de si um método compatível com o conceito de ciência.
Se, contudo, no nascedouro essa doutrina era científica, presentemente não o é. Acontece que o tempo passou e os espíritas se conformaram com o chavão de doutrina científica, esquecendo-se daquele que era, provavelmente, o preceito mais produtivo de toda a teoria de Kardec: encarar a razão em todas as épocas da humanidade.
A ciência mudou e o empirismo, que para Comte era sinônimo de observação, para os parâmetros da ciência moderna é sinônimo de experimentação. Fazer ciência, nos moldes hodiernos, significa, acima de tudo, poder comprovar as hipóteses e essa comprovação só pode ser obtida através da experimentação metódica, sistemática e, acima de tudo honesta com a possibilidade da negação. Isso significa dizer que é preciso conviver com a falseabilidade das hipóteses e admitir que a mais bela das teorias, uma vez negada pelos fatos, deve necessariamente ser descartada.
Ora, o Espiritismo está repleto de hipóteses: espírito, reencarnação, ectoplasma, mediunidade, vibrações, energias, entre outras. É de se perguntar então: quanto tem sido feito de esforço sistemático no sentido de comprovar tais hipóteses? Que tipo de método tem sido utilizado ao longo dos últimos cento e cinqüenta anos para corroborar o que foi dito pelos espíritos a Kardec? Em outras palavras e sistematizando a questão: não existe ciência sem um robusto suporte empírico por trás de si. Qual o suporte empírico sobre o qual se assenta a pretensa ciência espírita?
Tomando ainda a questão por outro ângulo: ante a possibilidade de que, em dado momento, os fatos viessem a desmentir alguma hipótese, estariam os espíritas defensores do cientificismo dispostos a admitir a falsidade do princípio e abandonar velhos conceitos? Em caso negativo, isso seria encarar face a face a razão?
Por tudo o que se disse, reafirmo que o Espiritismo não é ciência. É preciso conviver com esse fato. Eu convivo e isso não me impede de continuar a acreditar em todos os preceitos da Codificação. Mas isso é fé. Não posso, por uma questão de honestidade intelectual, disseminar a idéia de que creio porque é científico. Creio porque creio, porque quero crer, porque a base lógica formal contida nos conceitos preenche os requisitos de minha necessidade intelectual de coerência e, convenhamos, a Doutrina é coerente. Muito coerente em abstrato, mas não prova o que afirma, por isso entendo que existe da parte da maioria dos espíritas – a despeito da vaidade intelectual que impera no meio – uma lamentável falta de conhecimento que conduz à repetição contínua dessa inverdade atinente ao caráter científico da Doutrina, que, num mundo como o nosso, mais que soar falso, soa patético.Por mais que não pareça, minhas colocações tem um teor profundamente fraterno, até porque sou espírita – espírita umbandista, embora muitos não queiram – e gosto de ser, por isso, fraternalmente sugiro: amemo-nos, mas INSTRUAMO-NOS.
KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos. 1ª ed. comemorativa do sesquicentenário. Brasília. FEB, 2006
Foi sob essa orientação que Kardec desenvolveu o método que conduziu à codificação da Doutrina Espírita, analisando, ponderando, comparando, selecionando as respostas que julgava coerentes para produzir, primeiramente, O Livro dos Espíritos e, posteriormente, as demais obras que viriam a compor o Pentateuco da Codificação.
Por força desse nascimento revolucionário, convencionou-se falar do tríplice aspecto da Doutrina: religião, filosofia e ciência.
A meu ver, o caráter religioso é incontestável, é o mais evidente e é, inclusive, o mais amplamente aceito e reconhecido pela sociedade como um todo. Impossível negar que por trás das idéias difundidas pelo Espiritismo existe toda uma teologia, toda uma ontologia e que da interação entre ambas surge todo um complexo de normas de conduta a reger o comportamento dos fiéis. Isso é um sistema religioso, não há como refutar.
Quanto ao aspecto filosófico, não se pode ignorar que a Doutrina se constitui em um sistema bem elaborado de explicações para os fatos naturais e sociais; sistema esse que tem sua sustentação lógica assentada sobre a Lei de Causa e Efeito e sobre a Lei de Reencarnação.
Tem origem, então, uma ética cujos fundamentos remetem claramente para esse aporte lógico, o que faz com que tudo tenha uma explicação racional. É possível, portanto, entender que o Espiritismo é uma doutrina eminentemente filosófica, em que pesem algumas posturas nitidamente dogmáticas, dentre as quais se pode destacar o já tradicional chavão: “fora da caridade não há salvação”, por si só profundamente contrastante com os princípios de uma filosofia religiosa que nega veementemente o salvacionismo e investe todas as suas fichas no evolucionismo espiritual. Isso, contudo é assunto para um artigo autônomo, que virá, sem dúvida a seu tempo.
Se até aqui manifestei minha concordância com o caráter religioso e filosófico da Doutrina Espírita, o mesmo não acontecerá em relação ao caráter científico que se lhe pretende atribuir. Vou mais longe: afirmo enfaticamente que o Espiritismo não é ciência, não é científico e a repetição mecânica dessa afirmação se constitui em um dos lamentáveis equívocos que vem sendo cometidos pelos espíritas há anos.
Logicamente que, ao negar a assertiva, não o faço com vistas a contestar ou diminuir o Espiritismo, mesmo porque, conquanto seja umbandista, afirmo-me espírita convicto, a despeito de uma vertente ortodoxa que insiste em rejeitar a natureza eminentemente espírita da Umbanda.
Nego, porém explico-me: o Positivismo de Comte pregava a idéia de que somente a observação poderia conduzir ao conhecimento verdadeiramente científico, mas, ao mesmo tempo, negava que fosse possível se chegar ao conhecimento das causas dos fenômenos. Dessa forma, a observação deveria servir para conduzir a um conhecimento que fosse capaz de explicar as relações entre os fenômenos observáveis.
O método aplicado por Kardec baseou-se na observação do fenômeno mediúnico e, a partir dessa observação, na produção de Leis e Relações que regessem o mundo natural, do qual os próprios espíritos fariam parte, o que lhes negava a condição de seres metafísicos, incompatíveis com a ideologia de ciência defendida pelo Positivismo.
Nesse sentido, a doutrina de Kardec (ou dos espíritos) era, para os padrões da época, tecnicamente científica, uma vez que tinha por trás de si um método compatível com o conceito de ciência.
Se, contudo, no nascedouro essa doutrina era científica, presentemente não o é. Acontece que o tempo passou e os espíritas se conformaram com o chavão de doutrina científica, esquecendo-se daquele que era, provavelmente, o preceito mais produtivo de toda a teoria de Kardec: encarar a razão em todas as épocas da humanidade.
A ciência mudou e o empirismo, que para Comte era sinônimo de observação, para os parâmetros da ciência moderna é sinônimo de experimentação. Fazer ciência, nos moldes hodiernos, significa, acima de tudo, poder comprovar as hipóteses e essa comprovação só pode ser obtida através da experimentação metódica, sistemática e, acima de tudo honesta com a possibilidade da negação. Isso significa dizer que é preciso conviver com a falseabilidade das hipóteses e admitir que a mais bela das teorias, uma vez negada pelos fatos, deve necessariamente ser descartada.
Ora, o Espiritismo está repleto de hipóteses: espírito, reencarnação, ectoplasma, mediunidade, vibrações, energias, entre outras. É de se perguntar então: quanto tem sido feito de esforço sistemático no sentido de comprovar tais hipóteses? Que tipo de método tem sido utilizado ao longo dos últimos cento e cinqüenta anos para corroborar o que foi dito pelos espíritos a Kardec? Em outras palavras e sistematizando a questão: não existe ciência sem um robusto suporte empírico por trás de si. Qual o suporte empírico sobre o qual se assenta a pretensa ciência espírita?
Tomando ainda a questão por outro ângulo: ante a possibilidade de que, em dado momento, os fatos viessem a desmentir alguma hipótese, estariam os espíritas defensores do cientificismo dispostos a admitir a falsidade do princípio e abandonar velhos conceitos? Em caso negativo, isso seria encarar face a face a razão?
Por tudo o que se disse, reafirmo que o Espiritismo não é ciência. É preciso conviver com esse fato. Eu convivo e isso não me impede de continuar a acreditar em todos os preceitos da Codificação. Mas isso é fé. Não posso, por uma questão de honestidade intelectual, disseminar a idéia de que creio porque é científico. Creio porque creio, porque quero crer, porque a base lógica formal contida nos conceitos preenche os requisitos de minha necessidade intelectual de coerência e, convenhamos, a Doutrina é coerente. Muito coerente em abstrato, mas não prova o que afirma, por isso entendo que existe da parte da maioria dos espíritas – a despeito da vaidade intelectual que impera no meio – uma lamentável falta de conhecimento que conduz à repetição contínua dessa inverdade atinente ao caráter científico da Doutrina, que, num mundo como o nosso, mais que soar falso, soa patético.Por mais que não pareça, minhas colocações tem um teor profundamente fraterno, até porque sou espírita – espírita umbandista, embora muitos não queiram – e gosto de ser, por isso, fraternalmente sugiro: amemo-nos, mas INSTRUAMO-NOS.
KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos. 1ª ed. comemorativa do sesquicentenário. Brasília. FEB, 2006
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