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Frases Célebres

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Verdade e Adultério



Recentemente, em março de 2005, a reforma do código penal trazida pela Lei nº 11.106 retirou o adultério do rol dos crimes, formalizando uma situação que, na prática estava consolidada, visto que já há algumas décadas ninguém era processado por adultério no Brasil. É que sob a égide de costumes modernos e mais flexíveis, o instituto caíra em desuso. Do meu ponto de vista, lamentavelmente.
assunto gera sempre muita polêmica e provavelmente o partido favorável à descriminalização do adultério tenha muito mais adeptos do que o desfavorável, e isso não me surpreende, porque já estou acostumado à total ausência de reflexão por parte da população em geral e também à capacidade que a mídia possui de promover mudanças no comportamento da sociedade, mas, ainda que em minoria, não posso deixar de expressar minha opinião, principalmente agora que o tema vem à tona em função da pena de apedrejamento aplicada pelo governo do Irã a uma mulher acusada de adultério.
De meu ponto de vista, fidelidade é uma questão de estabilidade social. Digo fidelidade em todos os níveis: a uma causa, a um amigo, ao trabalho que se faz, aos contratos que se firmam, enfim, a tudo aquilo que assumimos como expressão de vontade e que, por força de nossa atitude, desencadeia conseqüências no mundo natural e no mundo jurídico. A ausência da fidelidade compromete a segurança da sociedade e nos aproxima de um estado de barbárie que ameaça a civilização como um todo.
Antes que me acusem de dramaticidade excessiva, devo dizer que sempre considerei que o princípio da civilização ocorreu exatamente quando o indivíduo macho desenvolveu afeição pela fêmea e acolheu a ela e à prole no intuito de oferecer proteção. Nessa visão, a família foi, desde sempre, o núcleo ao redor do qual as sociedades nasceram e evoluíram e, via de conseqüência, qualquer coisa que afete a estabilidade da família como instituição, afeta a estabilidade da civilização. O antigo artigo 240 do Código Penal estava situado no capítulo dos crimes contra a família, ou seja, a criminalização tinha o nítido sentido de proteger a instituição familiar e, por extensão, a sociedade como um todo.
A meu ver, a questão deveria ser tratada com mais seriedade, ao invés do tom de jocosidade e de crítica que sempre permeia as discussões que envolvem o assunto. Estranhamente, as pessoas não conseguem perceber que algumas coisas não são engraçadas. Adultério é traição. Curiosamente, em nossa sociedade ocorreu uma inversão de valores que fez com que, ocorrendo a traição, a vítima fique estigmatizada, ao invés do traidor. Historicamente, em todos os níveis, traidores sempre foram tratados com o desprezo que se concede aos vermes. Em questões militares, por exemplo, a pena sempre foi de execução sumária.
Entre nós, contudo, parece vigorar uma noção de que, quando o parceiro ou a parceira resolve trair, é porque estaria faltando ao traído a capacidade de atender as necessidades (principalmente sexuais) do traidor. Esse raciocínio mesquinho e distorcido é típico de sociedades intelectualmente míopes; de pessoas incapazes de cultivar a reflexão e principalmente de aplicá-la aos setores mais significativos da vida.
A principal explicação que existe por trás da maioria dos casos de adultério é que, culturalmente, os homens são educados com uma mentalidade de predadores de mulheres. O número de conquistas levadas a cabo é encarado como um fator determinante de masculinidade, em detrimento de outros valores de fato relevantes. Por essa ótica canalha, o indivíduo será tão mais másculo e dominante, quanto maior o número de mulheres que ele tiver na cama, mesmo que esse procedimento infernize a vida da esposa e dos filhos e redunde na destruição do núcleo familiar. Essa herança cultural, agindo em mentes masculinas (e até em algumas femininas) desprovidas maior capacidade de elaboração faz eclodir a “síndrome de garanhão”, transtorno que, no campo dos valores éticos, torna muitos espécimes humanos inferiores ao eqüino em questão.
Da mesma forma, e também numa perspectiva cultural, as mulheres são educadas para serem admiradas por sua beleza, cortejadas e desejadas sempre pelos homens. Isso se torna um índice de feminilidade e faz com que elas se sintam tão mais vivas e tão mais mulheres, quanto maior o número de homens que as cobicem. Essa particularidade, potencializada em algumas mentes femininas estreitas, leva parte das mulheres casadas a, depois de algum tempo, começarem a se sentir inativas, inúteis ou incapazes, simplesmente por lhes estar faltando o sabor efêmero da conquista e dos galanteios. Eclode, então, a “síndrome da galinha”, nome que eu, particularmente, considero bastante desrespeitoso com a simpática e útil ave que lhe serve de referente.
Fato é que, em um caso, como em outro, no mais das vezes, o parceiro traído é um indivíduo de bons princípios e que está se empenhando pelo sucesso da sociedade conjugal e pelo bem estar da família.
No mais das vezes, esse indivíduo se vê atingido por uma lancinante dor moral, provocada pela gratuidade e injustiça do gesto de seu parceiro ou parceira; dor essa agravada pelo julgamento invertido da sociedade e pelo ar de chacota com que a situação costuma ser tratada pelos demais.
No fim de tudo, o Direito não tutela esse bem imaterial injustamente atingido, e a vítima é obrigada a conviver com sua humilhação, engolir a ofensa e se calar.
No caso do homem, quando isso acontece, além de ter o núcleo familiar desfeito, ainda é obrigado a viver longe de seus filhos, pois, por conta de uma interpretação jurídica igualmente míope, não importa o que aconteça, a guarda dos filhos menores é sempre deferida à mãe. Depois de tudo isso, quando alguns, em um momento de desequilíbrio, resolvem fazer justiça com as próprias mãos, são tachados de egoístas, possessivos e chauvinistas, enquanto as víboras, agora transformadas em vítimas, são elevadas a pedestais e tratadas como mártires.
Como se não bastasse, para justificar a descriminalização, alguns asseveram que, embora não seja crime, o adultério enseja uma reparação de dano moral. E, para variar, como tudo o mais no Brasil, a questão vai para a vala comum da reparação pecuniária, como se o dinheiro fosse capaz de verdadeiramente reparar esse tipo de dano. Mas o que é pior e que torna o argumento cínico é que, no mais das vezes, o traidor não dispõe de condições financeiras para indenizar, além do fato de que a vítima tem que constituir um advogado e se submeter ao desgaste e aos gastos de um processo que irá demorar alguma coisa entre cinco e quinze anos. É puro cinismo.
Certamente que o assunto comporta análises muito mais aprofundadas, mas o objetivo aqui é apenas o de despertar a reflexão sobre essa questão, sobre os males que ela provoca e sobre a absoluta impunidade que premia aqueles que enveredam pela senda dos relacionamentos extraconjugais. Não se pode é pensar demais, porque, lembrando do Irã, a gente acaba achando que umas boas pedradas até que resolveriam o problema.



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