Todas as minhas postagens falando sobre o Botafogo
sempre foram movidas pela paixão. Bem, esse não é exatamente o caso desta
postagem, embora alguns nuances dessa paixão possam eventualmente aparecer. Às
vezes é inevitável. Mas o que quero dizer supera os limites do Botafogo e se
projeta sobre o futebol em geral, recaindo em um assunto que eu venho abordando
há muito e que creio que somente agora comece a fazer sentido para muitas
pessoas.
Todos sabem que em 2014 o Botafogo caiu para a
segunda divisão do Campeonato Brasileiro; a Segundona, como é popularmente
conhecida. Sempre fui contrário ao critério de ascenso e descenso, porque
entendo que ele não é compatível com a ideia que o brasileiro tem do futebol e
nem mesmo com o grau de paixão que o futebol desperta no povo de um modo geral.
Também não sou favorável a um campeonato brasileiro com apenas vinte clubes e,
um dia, ouvi um iluminado comentarista esportivo dizendo que estava muito
certo, porque o campeonato da Bélgica tem apenas dezesseis clubes. Lógico que a
comparação é ridícula, porque a Bélgica é do tamanho do estado de Alagoas e tem
dez milhões de habitantes (me surpreende que lá haja dezesseis clubes),
enquanto o Brasil é um continente e tem duzentos milhões de habitantes. Numa
comparação proporcional, o campeonato brasileiro poderia ter 320 clubes (e olha
que haveria clubes para isso). Mas não é sobre isso que quero falar.
Outra coisa que todos sabem é que todos os clubes
brasileiros – com exceção de Cruzeiro e São Paulo – estão profundamente
endividados, e, quando falo em dívidas, estou falando de cifras que atingem a
casa de dezenas de milhões de reais, a maior parte delas distribuída entre
dívidas trabalhistas e com impostos, principalmente impostos trabalhistas.
Isso me remete ao tema de que já tratei
anteriormente, sobre os irreais salários de jogadores de futebol. Acho, por
exemplo, que nada, mas nada mesmo, justifica um jogador receber um salário de
trezentos mil reais. Considero isso um crime de lesa-humanidade, se
considerarmos que médicos no Brasil ganham pouco mais de quinze mil, para fazer
um trabalho indispensável e vital.
Pois bem, meu querido
Botafogo não foge à regra e também acumula gigantescas dívidas (cerca de 177
milhões) resultantes de administrações ruinosas, de salários criminosos, e de
vários outros absurdos que permeiam o mundo do futebol. Mas, volto a insistir,
o Botafogo não é o único. E acontece que ao final do ano de 2013, o TRT da 1ª resolveu
retirar o Fogão do Ato Trabalhista, um acordo criado para permitir que os
clubes quitem suas dívidas de forma parcelada. O TRT entendeu que o Botafogo
estava fazendo ocultação de receitas por intermédio da Empresa Botafogo. Bem, a
questão da ocultação é polêmica e não vou entrar no mérito de se havia ou não,
mas, independente disso, ao sair do Ato Trabalhista, o Tribunal determinou a penhora
de 100% das receitas do clube. É isso mesmo, você não leu errado: 100% das receitas.
Esse tipo de decisão corresponde a uma sentença de morte, porque, como um clube
pode continuar a funcionar dessa maneira? E a decisão perdurou durante um ano,
período em que diversos recursos do clube pedindo para voltar ao ato foram
recusados. Um ano foi o período suficiente para determinar a queda do Botafogo
para a segundona. E também para fazer com que o clube tenha que se reconstruir
completamente.
O futebol brasileiro
necessita urgentemente de legislações que impeçam que verdadeiros patrimônios
históricos e culturais nacionais, como os grandes clubes de futebol sejam depredados
por causa de questões pecuniárias de segunda ordem. Claro que 177 milhões não é
uma cifra de segunda ordem, mas inúmeros trabalhadores humildes brasileiros que
recebem salário-mínimo ficam muitas vezes esperando anos para receberem
reclamações trabalhistas de às vezes dois ou três mil reais, que para esses
representam uma comida melhor sobre a mesa, enquanto patrões inescrupulosos
oferecem à penhora mesas e cadeiras velhas, computadores quebrados e tudo que
seja entulho dentro da empresa, mas ainda não tenho conhecimento de qualquer
dessas empresas que tivesse sofrido uma penhora de 100% de suas receitas. Mas,
quando se trata de um pobre jogador de futebol que ganha salários miseráveis de
trezentos mil reais, soluções aparecem rapidamente, nem que seja necessário
assassinar uma instituição centenária que representa a paixão de milhões de
pessoas.
E, se acharem que eu
estou exagerando, façamos um retrospecto: Botafogo de Futebol e Regatas, 110
anos de existência, mais de cinco milhões de torcedores (assumidos, porque
ainda tem aqueles que dizem que têm uma “simpatia”), 46 jogadores cedidos à
Seleção Brasileira (é o clube que mais cedeu, enquanto a seleção ainda era
brasileira. Hoje não é mais), eleito pela Fifa, 12° maior Clube da História do
Futebol e 5° maior Clube das Américas. Eleito pela mesma Fifa, um clube do
século. Único tetracampeão carioca, clube carioca com mais títulos RIO-São
Paulo, clube carioca que mais jogou partidas internacionais, primeiro clube
carioca campeão nacional, primeiro grande clube brasileiro a conquistar um
título em 1906, clube que mais teve artilheiros no campeonato carioca, um dos 3
clubes brasileiros com mais de 100 títulos no futebol. Único clube no Brasil
campeão nos três séculos, XIX, XX e XXI. Recorde de invencibilidades no futebol
brasileiro: 52 partidas invicto, recorde de invencibilidade no campeonato
brasileiro: 42 jogos invicto, único clube no mundo que em uma temporada (1 ano)
ganhou 120 títulos. Entre os grandes clubes, é o mais antigo, ele é Botafogo
desde 1894. Primeiro clube brasileiro a ganhar de uma equipe estrangeira, primeiro
clube brasileiro a ganhar de uma seleção, primeiro clube brasileiro a ganhar de
uma seleção estadual (vitória sobre a seleção paulista em 1906), ostenta a
maior goleada no futebol brasileiro: 24 a 0 sobre o Mangueira. Na seleção da
Fifa dos maiores jogadores de todos os tempos, o Botafogo é o clube que mais
tem jogadores selecionados, além de ser o clube que mais revelou craques no
mundo. Dos 5 jogadores brasileiros que estão no Hall da Fama da FIFA, três são
do Botafogo: Nilton Santos, Garrincha e Didi, e, para fechar, é o clube que tem
hoje um dos melhores, se não o melhor goleiro do mundo: Jeferson.
Pois é, esse patrimônio
histórico e cultural brasileiro foi sabotado e, como consequência dessa
sabotagem encontra-se hoje na segunda divisão do futebol brasileiro. Mas, com
essa folha corrida que eu acabei de expor acima, não cometam o erro de dizer
que o Botafogo foi rebaixado. A Segundona é que foi promovida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário